Artigo escrito pelo jovem Hippolyte-Léon Denizard Rivail, em 1825.[1]
ESCOLA FUNDADA NO MONT-JURA
“Falamos sempre com prazer renovado desses verdadeiros amigos da humanidade que sacrificam sua vida, seu repouso e seus recursos financeiros ao alívio de seus semelhantes; esses seres tão raros hoje em dia são muito preciosos, e como no tempo em que vivemos muitas pessoas se dão gratuitamente o título de filantropos e escondem sob esse véu o mais sórdido egoísmo, é importante conhecer em que consiste a verdadeira filantropia a fim de que se possa reconhecer aqueles que dela possuem apenas a máscara, e que, por uma hipocrisia frequentemente estudada durante muitos anos, se divertem abusando do público, a fim de tirar dele o melhor partido para seus interesses. O que digo relativamente a esses pretensos amigos da humanidade, é apenas para fazer ressaltar com mais nitidez os que realmente consagram sua vida à felicidade de seus semelhantes.
Em uma de minhas viagem à Suíça, tive oportunidade de visitar uma escola fundada sobre o verdadeiro amor do bem público, e que, sob todos os aspectos, deve inspirar o mais vivo interesse. A Srta. C... fundou essa escola numa aldeia do Mont-Jura, onde reside. Suas posses, ainda que suficientes para que ela viva tranquilamente, não eram bastante consideráveis para suprir a todas as necessidade de semelhante estabelecimento. No entanto, ela sofria ao ver uma quantidade inumerável de crianças infelizes, abatidas pela miséria tanto quanto seus pais, contraindo todos os vícios a que a ociosidade e a vagabundagem necessariamente arrastam. Ela resolveu tirá-las de sua infeliz condição e proporcionar àquelas pobres crianças meios de existência mais honrados, e também recursos para o futuro. Que empreendimento! Que obstáculos a vencer! No entanto, ela superou todos. Quando uma alma virtuosa resolve fazer o bem é raro que não logre êxito. É preciso coragem e uma vontade firme, e certamente não lhe faltava nem uma, nem outra.
Ajudada por sua pequena fortuna e por alguns parcos recursos, ela reuniu um certo número de garotas cuja única ocupação era a mendicância, e que agora recebem uma educação bem cuidada. Na época em que visitei a escola havia em torno de setenta. Essas garotas são alojadas, alimentadas, banhadas, enfim, inteiramente sustentadas naquela casa. A ocupação principal das meninas, fora as lições, é fazer renda. Do produto arrecadado, uma parte é investida no sustento do estabelecimento, e a outra fica à disposição daquelas que o ganharam, e que se apressam em fazer uso digno, no sustento de seus infelizes pais.
Um dia eu manifestei a minha admiração à Srta. C... pela mudança que se havia operado em todas as suas alunas, e lhe testemunhei o quanto estava surpreso pelo fato de ela ter conseguido endireitar aqueles caracteres, entre os quais deveria ter encontrado uns bem rebeldes. – Certamente, disse-me ela, tive bastante dificuldade; havia caracteres que traziam todos os vícios a que a miséria e a mendicância arrastam; mas com perseverança atinge-se o objetivo, e sou amplamente recompensada pelos esforços, quando percebo que consegui. – Deveis estar muito feliz, acrescentei, pois até hoje os acontecimentos foram de acordo com os vossos desejos. – Oh! Como isso é possível? Perguntei-lhe. Ela respondeu-me: - Sinto que bem pouco fiz até o presente; e não serei completamente feliz senão quando tiver feito tudo o que está em meu poder; infelizmente, os meus meios são bem frágeis; pudera o céu secundar meus intentos...
Mulher virtuosa, pensei ao deixá-la, tu contas teus momentos de felicidade pelo número daqueles aos quais fazes felizes, enquanto tantos outros não os contam senão pelas vítimas de sua avareza!
Muitas daquelas jovens obtiveram cargos de professoras no estrangeiro, ou têm outros empregos que lhes proporcionam, bem como a seus pais, uma perspectiva honrosa, pelo que sabem se mostrar reconhecidas para com a sua generosa benfeitora.”
Rivail.
[1] Le Petit Album de la Jeunesse, de Alexandre de Villiers. Paris, 1825. Traduzido do francês pela Equipe IPEAK.